domingo, 10 de outubro de 2010

Google cria carro que dispensa motorista


10/10/2010 - The New York Times - por John Markoff


Veículo está sendo testado na Califórnia

Quem circulou pelas ruas de Los Angeles e San Francisco recentemente pode ter visto um carro Toyota Prius com um cilindro de metal esquisito no teto. Mais difícil de notar era o fato de que a pessoa ao volante não estava dirigindo.

O carro é um projeto do Google, que vinha trabalhando em segredo para criar veículos que andam sozinhos. Os carros usam um software de inteligência artificial que percebe qualquer objeto perto do veículo e reproduz decisões tomadas por um humano.

Os carros são monitorados por dois funcionários do Google. Um fica no banco do motorista, mas só dirige em caso de emergências. O segundo técnico fica no banco de passageiros, controlando o software de navegação. Sete carros do Google já andaram mais de 1,6 mil quilômetros sem intervenção humana e mais de 220 mil quilômetros com intervenção humana moderada.

De olho na segurança

Carros autônomos ainda estão muito longe da produção em massa. Mas especialistas que há muito tempo sonham com eles acreditam que esses veículos podem transformar a sociedade de forma tão profunda quanto a internet.

Carro do Google em San Francisco: ainda longe do consumidor final
NYT - Carro do Google em San Francisco: ainda longe do consumidor final

Motoristas robôs reagem mais rápido do que humanos, têm visão de 360 graus e não se distraem. Eles também não dormem ao volante nem ficam embriagados, argumentam os engenheiros.

Esses profissionais falam principalmente da questão de vidas salvas e da prevenção de acidentes – mais de 37 mil pessoas morreram em acidentes de carro nos Estados Unidos em 2008.

Os engenheiros dizem que a tecnologia pode dobrar a capacidade das estradas ao permitir que os carros andem mais próximos uns dos outros de modo seguro. Como os veículos automatizados seriam menos propensos a bater, eles poderiam ser mais leves, diminuindo o consumo de combustível. Mas, claro, para que sejam realmente mais seguros os carros devem ser mais confiáveis do que, por exemplo, os atuais computadores. Eles travam de vez em quando e são frequentemente infectados por vírus.

Google: muito além da busca

As pesquisas do Google sobre carros automáticos provam que as ambições da empresa vão muito além da ferramenta de busca. O projeto também sai do típico cenário do Vale do Silício, muito mais focado em rede sociais e mídia digital para cinema.

Em um teste dos carros automáticos do Google, um modelo Prius saiu da sede da empresa, cerca de 50 quilômetros ao sul de San Francisco e se infiltrou no trânsito da cidade sem problemas. Ele andou no limite de velocidade local, informação embutida no banco de dados do veículo. O dispositivo sobre o teto do carro produziu um mapa detalhado dos arredores.

No trânsito: mensagens alertam motorista
NYT - No trânsito: mensagens alertam motorista

Ao andar por Mountain View, o veículo parou em sinais vermelhos e emitiu mensagens como “faixa de pedestres está próxima” para alertar a pessoa ao volante. A mesma voz feminina agradável usada em alertas poderia, por exemplo, alertar o motorista se algum dos sistemas do carro falhasse.

Várias personalidades

O carro pode ser programado com várias modalidades de direção. Desde cautelosa, na qual é mais provável que dê a vez para outro carro, até agressiva, quando é mais provável que tome a dianteira.

Christopher Urmson, engenheiro de robótica da universidade de Carnegie Mellon, estava ao volante durante os testes, mas não dirigia o carro. Para tomar o controle do veículo ele tinha três alternativas: pressionar um botão vermelho, pisar no freio ou girar o volante. Durante os testes ele interveio duas vezes. A primeira quando um ciclista desrespeitou um sinal vermelho e a segunda quando um carro à frente parou e deu ré para entrar numa vaga.

Quando voltou ao modo automático, o carro fez um pequeno barulho, parecido como entrar no modo warp de Jornada nas Estrelas, e Urmson então descansou os braços e pôde gesticular ao conversar com um passageiro no banco de trás. Ele contou que o carro chama a atenção, mas a maioria das pessoas acha que ele é apenas uma nova geração dos carros do Street View.

Projeto começou em Stanford

O projeto do carro automático foi concebido por Sebastian Thrun, 43 anos, diretor do laboratório de inteligência artificial da Universidade de Stanford. Ele também é funcionário do Google e o criador do serviço Street View.

Em 2005, ele liderou uma equipe de Stanford que criou o carro automático Stanley. O projeto foi o vencedor de um concurso realizado pela Darpa, agência científica do governo dos Estados Unidos, e ganhou um prêmio de US$ 2 milhões. No concurso, o Stanley andou sozinho por mais de 200 quilômetros no deserto da Califórnia.

Além do time de 15 engenheiros trabalhando no atual projeto, o Google contratou mais de dez pessoas, todas com histórico perfeito de direção. Elas foram contratadas para ao volante durante os testes, ganhando US$ 15 por hora. O Google usa seis carros Prius, da Toyota, e um Audi TT no projeto.


NYT
Hardware: porta-mala do carro leva aparato tecnológico
Hardware: porta-mala do carro leva aparato tecnológico

Os pesquisadores dizem que o Google ainda não tem um plano para criar um negócio a partir desse projeto. Thrun é conhecido com um promotor do potencial de veículos robóticos para tornar as estradas mais seguras. Essa é também uma visão de Larry Page, cofundador do Google, segundo várias pessoas envolvidas no projeto.

O carro que anda sozinho é um exemplo da vontade do Google de apostar em tecnologias que podem não dar resultado a curto prazo, afirma Thrun. Mesmo os mais otimistas não acreditam que essa tecnologia chegue ao mercado em menos de oito anos.

Uma das possibilidades de lucro para o Google é fornecer informação e serviços de navegação para fabricantes de carros automáticos. A empresa pode até mesmo oferecer o sistema de graça, como faz com o Android, plataforma de smartphones.

Questões legais

O advento de carros automáticos traz problemas jurídicos espinhosos, reconhecem os engenheiros do Google. Na lei de hoje, um humano deve estar no controle do automóvel sempre. Mas o que isso quer dizer se a pessoa não está prestando atenção quando o carro cruza, por exemplo, uma área de escolas, deixando tudo a cargo do robô? No caso de um acidente, quem seria o culpado? O dono do carro ou o fabricante do software?

“A tecnologia está à frente da lei em muitas áreas”, diz Bernard Lu, conselheiro do Departamento de Veículos Motorizados da Califórnia. “Quando observamos as leis de trânsito, há dezenas de leis que falam especificamente do motorista e presumem que ele está no controle todo o tempo”.

Os pesquisadores do Google dizem que examinaram com cuidado as leis de trânsito da Califórnia. Eles concluíram que, se um humano pode intervir no controle automático do carro a qualquer momento, os testes são legais. Lu concorda.

Estudo começou nos anos 1960

Cientistas e engenheiros vêm projetando veículos autônomos desde os anos 1960. Mas um avanço importante ocorreu apenas em 2004, quando uma equipe do Pentágono iniciou o concurso de carros-robôs.

A primeira edição do concurso foi um fracasso. Mas, em 2005, a equipe de Thrun projetou o Stanley. O carro ganhou uma corrida contra um rival criado pela Universidade Carnegie Mellon. Menos de dois anos depois, outra edição do evento provou que veículos autônomos podiam andar com segurança em ambientes urbanos.

Os avanços são tão grandes que Thrun soa como um evangelista quando fala de carros autônomos. Segundo ele, há potencial para reduzir o consumo de combustível, diminuir a taxa de acidentes e construir automóveis mais leves.

Há até mesmo a possibilidade ainda distante de carros que não precisam de ninguém ao volante. Esses veículos seriam acionados eletronicamente, o que permitiria que as pessoas compartilhassem os veículos. Assim, seriam necessários menos carros, o que reduziria a necessidade de estacionamentos.

E, claro, os carros poderiam salvar os humanos deles mesmos. “Podemos mandar duas vezes mais mensagens de SMS enquanto dirigimos, sem culpa?”, pergunta Thrun. “Sim, podemos. Mas só se os carros andarem sozinhos”.

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